Mudanças Climáticas (IPCC), Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2) e Mercados Potenciais para o H2 no Brasil

2 de setembro de 2021

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Recentemente, o país recebeu duas notícias importantes. Em âmbito internacional, o relatório AR6 (Sixth Assessment Report) do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), autoridade científica ligada à ONU (Organização das Nações Unidas) que avalia a ciência relacionada as mudanças climáticas, trouxe um forte alerta para as consequências da continuidade das emissões antropogênicas de gases de efeito estufa (GEE) nos níveis atuais (literalmente, “a code red for humanity”), ao mesmo tempo em que o mundo vivencia uma onda de catástrofes naturais sem precedentes, desde as inundações na Alemanha, Bélgica e China até os incêndios florestais na Grécia, Turquia, Estados Unidos (Califórnia) e Rússia (Sibéria), levando a irreparáveis perdas de vidas humanas, desequilibrando setores produtivos e impactando a infraestrutura local, com consequências desastrosas para essas nações e, em especial as empresas de seguros, fundamentadas na mutualidade e na estatística.

Frases de impacto, compiladas do AR6, foram apresentadas durante um importante Workshop promovido pela FAPESP [1]. São elas: i) podemos afirmar, de forma inequívoca, que a humanidade é a principal responsável pelo aquecimento global, levando a eventos climáticos extremos, como ondas de calor e inundações frequentes e severas (impactando, no Brasil, áreas de produção agrícola [2]), ii) as mudanças recentes no clima são generalizadas (isto é, ocorrem em todas as regiões do globo) e sem precedentes (em pelo menos 6.500 anos), iii) algumas das mudanças climáticas já são irreversíveis, outras podem ser retardadas ou interrompidas se limitarmos a emissão de GEE, e iv) para frear o aquecimento global, são necessárias reduções fortes, rápidas e sustentáveis de CO2, metano e outros GEE. Estas frases podem servir de alerta aos tomadores de decisão para a implementação célere de políticas públicas voltadas aos setores emissores de GEE (agronegócio, transportes, geração de energia etc.) rumo a uma economia de baixo carbono, de forma a garantir o futuro das atuais e futuras gerações.

Por outro lado, em âmbito nacional, foram publicadas as “diretrizes” para a elaboração do Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), iniciativa do governo federal que chega em momento oportuno, dado o contexto mundial dos impactos climáticos, que no Brasil é representado principalmente pela crise hídrica (e consequentemente energética), a maior dos últimos 91 anos. O documento [3] lista, no capítulo 1, as iniciativas anteriores para a promoção do hidrogênio no país, apresentando, em seguida, o contexto internacional (Cap. 2), a visão de futuro (Cap. 3), os objetivos (Cap. 4), os eixos e as diretrizes (Cap. 5) e a governança do programa (Cap. 6), que visa promover o desenvolvimento da cadeia de valor do gás hidrogênio (H2), vetor energético de baixo ou nulo carbono, com demandas i) industriais, na indústria de fertilizantes, siderúrgica, farmacêutica e alimentícia, e ii) energéticas, nos setores de transporte, aquecimento e armazenamento e produção de energia elétrica.

O PNH2, coordenado pelo Ministério das Minas e Energia (MME), está sendo estruturado em 06 (seis) eixos: Eixo 1: Fortalecimento das Bases Tecnológicas; Eixo 2: Capacitação e Recursos Humanos; Eixo 3: Planejamento Energético; Eixo 4: Arcabouço Legal-Regulatório; Eixo 5: Crescimento do Mercado e Competitividade; e Eixo 6: Cooperação Internacional. Baseado em 03 (três) pilares (Políticas Públicas, Tecnologia e Mercado), o PNH2 tem como objetivos i) o auxílio à formulação e implementação de políticas energéticas, ii) o direcionamento de investimentos, iii) o incentivo ao desenvolvimento de planos de negócios relacionados às oportunidades de transição energética do país e iv) a busca de sinergias e articulação com outros países, com foco no estabelecimento de parcerias industriais e produtivas e a expansão a mercados internacionais.

As oportunidades de uso do H2 no Brasil são inúmeras. O H2 já é utilizado na indústria nacional, mas poderá se beneficiar da iniciativa do MME i) com a redução de custo deste insumo devido à maior oferta e ii) com a limpeza de cadeias produtivas, caso seja utilizado o H2 obtido pela eletrólise da água a partir de fontes de energia limpas (H2 verde) ou pela reforma a vapor de metano (SMR, em inglês) com CCUS (Carbon Capture Utilisation & Storage) (H2 azul). Em síntese, o H2 poderá limpar i) a cadeia do agronegócio com a produção de fertilizantes nitrogenados a partir da amônia verde (sintetizada via processo Haber-Bosch), ii) o setor de mineração, com a descarbonização de suas operações (pela substituição do óleo diesel) e a produção de “explosivos verdes” (a partir da amônia verde), iii) o setor siderúrgico, com a produção de gusa verde [4], e iv) a indústria de cimento, atuando como combustível em fornos a altas temperaturas.

No contexto do agronegócio, responsável por 26,6% do PIB nacional [5] e por 48% das exportações Brasileiras em 2020 [6], é importante ressaltar o papel dos fertilizantes, insumo fundamental para o aumento da produtividade agrícola, sobretudo em culturas como a soja e o milho. Porém, o custo do fertilizante pode representar, se incluídos os gastos com importação e logística, até 30% do custo total de produção do grão [7]. Ademais, na indústria de insumos agrícolas, praticamente a totalidade dos fertilizantes nitrogenados (ureia, sulfato de amônio e nitrato de amônio) é originada da amônia, atualmente derivada de combustíveis fósseis (via SMR) (H2 cinza). Por meio da rota tecnológica do H2 eletrolítico, além da limpeza da cadeia produtiva dos fertilizantes nitrogenados, o país poderá reduzir a importação desses insumos obtendo, em complemento, importantes ganhos logísticos.

As oportunidades seguintes de uso do H2 ocorrerão no setor de transportes. No cenário atual, o diesel mineral, combustível mais utilizado e maior emissor de CO2 do setor no país, abastece a grande maioria dos caminhões, bem como veículos, máquinas e equipamentos off road de setores como mineração e agropecuária, sustentáculos da balança comercial Brasileira. Em síntese, o H2 pode ser utilizado i) em veículos elétricos equipados com célula a combustível (FCEV, em inglês), ii) na produção do HVO (diesel verde) via hidrotratamento de óleos vegetais ou gorduras animais, iii) na produção do diesel sintético (e-diesel), com captura de CO2 de gases industriais ou do ar atmosférico, para uso nas frotas atuais dos diversos modais e em veículos, máquinas e equipamentos off-road, e iv) em motores a combustão interna (H2-ICE, em inglês), aproveitando grande parte do know how desenvolvido pela indústria automotiva.

Posteriormente, o H2 será utilizado para compensar o desequilíbrio entre a produção e o consumo de energia elétrica, processo construído com base no “surplus” de fontes de energia renovável não convencionais (solar e eólica) e convencionais (biomassa) e no conceito P2P (Power-to-Power). Neste contexto, cabe observar que nos últimos 30 anos a superfície coberta com água no Brasil retraiu 15,7% [8], um alerta para o país buscar alternativas à geração de energia por meio da hidroeletricidade (UEH, PCH e CGH), responsável atualmente por 109,3 GW de capacidade instalada em operação. No setor de energia elétrica, o H2 pode ser utilizado i) como elemento armazenador para fornecimento de eletricidade sob demanda, ii) para geração de energia elétrica por meio de células a combustível, com capacidade de dezenas de MW, e iii) para combustão direta (puro ou misturado ao gás natural) em turbinas a gás, com capacidade de centenas de MW.

iAPTEL – Aparecida de Goiânia, 31 de agosto de 2021.

Referências:

[1] “Workshop: Novo Relatório do IPCC WG1”, Webinário Fapesp Mudanças Climáticas, Palestrantes: Paulo Artaxo, Lincoln Alves, Thelma Krug, agosto de 2021.

[2] Estudo realizado pela Dra. Rafaela Flach estimou em mais de US$ 3,5 bilhões os prejuízos anuais da indústria da soja devido ao aumento da temperatura (www.cnnbrasil.com.br, 9/8/2021). Segundo o Dr. Paulo Artaxo (USP), o AR6 indica que no Brasil central o aumento da temperatura pode chegar a 4 °C ou 5 °C nas próximas décadas (www.avisite.com.br, 9/8/2021).

[3] “Programa Nacional do Hidrogênio – Proposta de Diretrizes”, julho de 2021.

[4] O setor siderúrgico é responsável por 9% das emissões mundiais de carbono.

[5] https://cepea.esalq.usp.br/, 2020.

[6] https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/exportacoes-do-agro-ultrapassam-a-barreira-dos-us-100-bilhoes-pela-segunda-vez

[7] “Hidrogênio Verde – Aliança Brasil Alemanha”, AHK-Rio de Janeiro, março de 2021.

[8] https://mapbiomas.org/superficie-de-agua-no-brasil-reduz-15-desde-o-inicio-dos-anos-90

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